quinta-feira, 27 de março de 2014

Equidade é excelência A definição de um currículo nacional ajudará a combater a desigualdade educacional

MARCELO MITERHOF
Em entrevista na semana passada à Folha, o novo presidente do Inep (órgão do MEC de planejamento e avaliação da educação), Chico Soares, defendeu que o currículo da educação básica no Brasil seja mais bem definido.
Seus argumentos são poderosos. Todo jovem brasileiro deve ter acesso a um robusto conhecimento mínimo comum, que o capacite para lidar com problemas e melhor aproveitar a vida pessoal e a profissional.
Se cada lugar puder definir o que será ensinado, é certo que surgiriam ótimas escolhas, porém em outros casos turmas inteiras seriam prejudicadas.
Soares ilustrou o esforço a ser feito. "Vou dizer para o professor: seus alunos do 5º ano são capazes de distinguir fato de opinião, mas num texto muito simples. Eles não são capazes num texto um pouco mais complexo. O que é um texto complexo? O professor teria exemplos."
A tarefa de negociar esse currículo será difícil. Uma das coisas que mais me desanimaram ultimamente foi ter começado a cursar as disciplinas de licenciatura em filosofia na UFRJ. Tomara que a impressão inicial seja enganosa.
Afinal, é duro se deparar, por exemplo, com a crença de que há uma "hegemonia da matemática" na educação brasileira. As evidências se resumiram a constatar que há mais aulas semanais dessa matéria do que de filosofia, história ou música.
Além de ignorar que é em matemática a maior dificuldade de desempenho dos alunos brasileiros, como no Pisa (a avaliação internacional de estudantes), e que o país tem carência na formação de pessoas nas áreas quantitativas e científicas, não houve discussão sobre os critérios para definir a divisão da grade horária, as necessidades das disciplinas e as prioridades de conteúdo.
Quer dizer, é grande a resistência no meio acadêmico de pedagogia ao tipo de discussão que o estabelecimento de um currículo exige.
A impressão é que predomina uma tentativa de contraposição à escola tradicional, em especial a religiosa, enfatizando a necessidade da criatividade e da construção multilateral do conhecimento.
Esse objetivo deve ter espaço na prática educacional. Contudo, o desafio brasileiro atual é bem anterior a esse.
Nesse sentido, é ilustrativa pesquisa feita com 300 mil professores, disponível em http://www.qedu.org.br/brasil/pessoas/professor. Segundo eles, não há problemas generalizados de planejamento, relacionamento com a direção, diálogo entre docentes ou violência nas escolas. Um pouco mais sensíveis, a infraestrutura, o salário e a sobrecarga de trabalho são alvo do descontentamento de cerca de um terço das respostas.
Os maiores problemas são as faltas de interesse e disciplina do aluno, a incapacidade dos pais de acompanhar as tarefas de casa e o ambiente da comunidade em que vivem.
Como na velha piada, parece que "é a clientela que atrapalha a firma". Porém, a pesquisa reflete o longo e descomunal esforço civilizatório que é construir um sistema de educação universal num país em desenvolvimento, populoso e de um duradouro passado escravista.
Um currículo nacional ajudará a combater a desigualdade educacional. Definir os conteúdos mínimos que se deve saber em cada nível é fundamental para identificar os alunos que estão ficando para trás e agir para mitigar o problema.
Na Finlândia, um dos líderes no Pisa, "o esforço é fazer com que todo o mundo alcance um determinado nível, o que faz nossos resultados médios serem muito bons", explicou uma professora ao UOL (9/12/2013). Décadas atrás, o país decidiu que seu foco era a equidade, não a excelência. Conseguiu ambas.
O Brasil elevou substancialmente o gasto público na educação básica. Dados do Inep indicam que, em proporção ao PIB, passou de 3,2% em 2005 para 4,4% em 2011, atingindo o patamar dos países desenvolvidos.
O gasto anual por aluno ainda é baixo porque a renda per capita do país não é alta. Ainda assim, no mesmo período, que teve uma significativa inclusão no sistema educacional, passou de R$ 1.933 para R$ 4.267, a valores constantes de 2011.
Seguir aumentando esse valor é crucial para, por exemplo, pagar maiores salários e ter melhores professores. Mas, para que tal elevação continue sendo efetiva, a sociedade brasileira precisa que contrapartidas sejam pactuadas com a comunidade de educação. A definição de um currículo nacional é uma delas.
Folha, 26.03.2014.

Nenhum comentário:

Postar um comentário