quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

As matérias-primas da riqueza



O governo precisa considerar que educação, ciência e tecnologia são investimentos, não despesas. São fontes de riqueza e desenvolvimento


O Brasil quer ser um eterno emergente ou chegar logo à condição de país desenvolvido? A questão é importante, especialmente em um momento em que o governo federal faz cortes profundos nos orçamentos dos ministérios da Educação e da Ciência, Tecnologia e Inovação.
Reconhecemos a necessidade de ajustes nas contas federais, mas reduzir investimentos em educação e ciência é como dar um tiro no próprio pé: dói no presente, imobiliza-nos por um bom tempo e atrasa ainda mais a caminhada para o futuro.
Os países emergentes que investiram para valer em educação e em ciência, tecnologia e inovação (C,T&I) já implantaram uma economia moderna e atingiram elevados índices de qualidade de vida. São países que podemos chamar de "emergentes empreendedores". Há algumas décadas tinham condições semelhantes às do Brasil e hoje estão quilômetros à nossa frente.
O Brasil vem fazendo importantes esforços tanto em educação como em C,T&I. Chegamos muito perto da universalização do acesso ao ensino fundamental e conseguimos aumentar o número de ingressantes em todos os níveis de ensino. No campo da produção científica, o Brasil ocupa uma posição de relativo destaque.
Vistos no âmbito interno, essas conquistas são eloquentes e expressam o resultado de corretas políticas implementadas nos últimos governos. Observadas, porém, em escala global, são conquistas que ainda nos deixam em posições até mesmo sofríveis diante dos emergentes empreendedores ou de países com economia e potencial muito inferiores aos nossos.
No Programa para Avaliação Internacional de Alunos, da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), entre 65 países o Brasil ocupa a 58ª posição (Cingapura, 2ª; Estônia, 11ª).
No ranking do Fórum Econômico Mundial, quesito "qualidade da educação primária", aparecemos no 126º lugar entre 144 países (Finlândia, 1º; Barbados, 5º). No ranking de inovação da Organização Mundial de Propriedade Intelectual, o Brasil ocupa a 61ª posição (Finlândia, 4ª; Malta, 25ª).
Segundo dados da Conference Board, em matéria de produtividade estamos em 15º lugar na América Latina. No Índice de Competitividade Global do Fórum Econômico Mundial, o Brasil está em 57º lugar (Cingapura em 2º; Emirados Árabes em 12º). Esse fraco desempenho é explicado, em boa medida, pela baixa qualidade da nossa educação.
Estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento mostra que a média de tempo na escola dos brasileiros com 15 anos de idade ou mais saltou de 2,8 para 7,5 anos de 1970 a 2012 --aumento de 267%.
No mesmo período, a produtividade da força de trabalho no Brasil, por trabalhador, passou de US$ 12.200 para US$ 20 mil --crescimento de 64%. A elevada diferença de percentuais revela que o problema reside não mais na oferta de ensino, mas na sua qualidade. A expectativa, portanto, é que o governo cumpra as metas do Plano Nacional de Educação, o que inclui chegar a 2020 com 10% do PIB para o setor.
Para a área de C,T&I, há as recomendações da 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Concluída em maio de 2010, a conferência propõe que o investimento total em pesquisa e desenvolvimento alcance, em 2020, entre 2% e 2,5% do PIB. Estamos em 1,2%.
E por que aumentar os investimentos em pesquisa e desenvolvimento em tempos de redução de gastos? Porque esses investimentos significam ao país tornar sua economia inovadora, aumentar a --hoje acanhada-- produção de bens com alto valor agregado e ganhar competitividade no mercado global.
O governo federal precisa considerar que educação de qualidade e C,T&I são investimentos, não despesas. Tornaram-se, na verdade, as principais matérias-primas da riqueza e do desenvolvimento sustentado.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O próximo choque para o ensino superior

Vamos socorrer o ensino médio para salvar o futuro do ensino superior. Esse precisará ser o novo choque educacional no Brasil

Quem analisa a evolução do ensino superior brasileiro em termos quantitativos, levando em conta o número de matrículas nesse nível de ensino, por exemplo, percebe sua nítida relação com políticas governamentais, como, aliás, também ocorre internacionalmente.
Para ficar nas últimas três décadas, verifica-se que de 1984 até 1996 o crescimento médio das matrículas no nível superior era de 1,2% ao ano. Dificuldades decorrentes de muitas regulamentações impediam o atendimento da demanda da população pela educação superior. Em 1996 tínhamos 1.200 matrículas no ensino superior para cada 100 mil habitantes (Coreia do Sul e Canadá já tinham 6.000).
A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação afrouxou um pouco as regras para criação de novos cursos e instituições de ensino superior, que poderiam até então ser públicas ou privadas sem fins lucrativos. As instituições privadas passaram a poder ter fins lucrativos. As novas medidas geraram um choque na oferta de novas vagas e o sistema passou a crescer, em média, 9% ao ano, chegando a 16% em 2006.
A partir daí, as taxas de crescimento começaram a cair, apesar de já existirem programas tímidos de financiamento ao estudante, como o Fies (Financiamento Estudantil). Havia a necessidade de outro choque, dessa vez de demanda. Vagas havia, principalmente no setor privado, mas os alunos tinham dificuldade de assumir esses encargos financeiros futuros.
Esse choque ficou claro em 2007, quando já havia 2.800 matrículas por 100 mil habitantes e o crescimento era de 7% ao ano. Os programas Prouni e as modificações no FIES mantiveram o crescimento em taxas razoáveis até 2011, quando essas passaram a cair, chegando em 2013 a pouco mais de 3% ao ano.
Para atingir a meta de 30% de pessoas da faixa etária de 18 a 24 anos matriculadas no ensino superior será necessário, no mínimo, dobrar o número atual de matrículas.
Mantida essa taxa de crescimento serão necessários cerca de 25 anos para atingirmos a essa meta. Nem o aumento das matrículas nos cursos tecnológicos e ensino à distância conseguiram reacelerar o crescimento, por isso esse não é o caminho que sozinha vai nos tirar desse atraso nesse nível de ensino.
É necessário que se introduza um novo choque no ensino superior? No Brasil se formam 1,8 milhão de estudantes no ensino médio por ano e ingressam no ensino superior 2 milhões de novos alunos divididos entre egressos recentes do ensino médio e adultos de mais de 24 anos.
O gargalo está, claramente, no número extremamente reduzido de formados no ensino médio porque somente 50% dos jovens completa esse nível de ensino no Brasil.
De 3,3 milhões matrículas no primeiro ano do ensino médio cai para 2 milhões no terceiro ano. Se não aumentarmos o número de estudantes que concluem o ensino básico, o Brasil levará uma geração para atingir os atuais indicadores dos países mais desenvolvidos.
Além da má qualidade do ensino brasileiro em geral, o ensino médio é o patinho feio do sistema, pois é o estudante em que menos se investe. No momento mais importante para consolidar sua cultura média, nosso estudante é abandonado.
Vamos socorrer o ensino médio para salvarmos o futuro do ensino superior. Esse precisará ser o novo choque educacional no Brasil.