quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Sala de estar aula

Ensino domiciliar cresce no país; ex-alunos elogiam, mas, sem dedicação integral dos pais, filhos podem ficar à deriva

MATEUS LUIZ DE SOUZACOLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Desde 2012, o MEC permite que o desempenho no Enem seja utilizado como certificação de conclusão do ensino médio. O foco era beneficiar alunos de supletivo, mas a medida na prática facilitou também a vida dos jovens que foram educados em casa --o homeschooling.
Segundo a Aned (Associação Nacional de Educação Domiciliar), desde então o número de adeptos no Brasil dobrou e atingiu 2.000 famílias.
Folha procurou ex-alunos do homeschooling para conhecer suas impressões sobre o sistema em expansão.
Lorena Dias, 17, saiu da escola em 2010, no 8º ano. Ela diz ter pedido para sair, porque sofria bullying e os pais estavam preocupados com as greves e a presença de drogas e no colégio público em que estudava, em Contagem (MG).
"Não tinha muita ideia de como faríamos. Fiquei um pouco perdida no início", diz.
Ela admite que o padrão rígido de estudos estabelecido pelos pais no começo, determinando horários e os conteúdos, foi flexibilizado com o tempo. Questionada se isso não é ruim, ela responde que não. "Me senti livre para usar meu tempo da forma mais confortável. Na escola, você segue o ritmo do professor."
Ela diz que sentia falta da convivência diária com crianças. Para tentar compensar, os pais faziam encontros quinzenais de famílias adeptas do homeschooling. Além disso, ela manteve contato com algumas amigas da escola.
Lorena está tentando se matricular em jornalismo em uma universidade de Brasília, onde mora hoje. A falta de um certificado de ensino médio tem sido um problema --para utilizar o Enem, o aluno precisa ter 18 anos, um a mais do que ela. Lorena tenta agora uma liminar judicial.
Vale lembrar que, apesar do Enem, o homeschooling não é regulamentado no Brasil, ao contrário do que ocorre nos EUA. Assim, as famílias precisam estar cientes de que não há consenso sobre sua legalidade.
Uma interpretação judicial possível é que as famílias estão violando o artigo 246 do Código Penal (que considera crime "deixar de prover à instrução primária" aos filhos).
A Aned alega que quem dá homeschooling não está deixando de prover instrução primária. A maior parte das famílias nunca teve problemas legais, mas ficou famoso o caso do casal Cléber e Bernadeth Nunes, de Timóteo (MG), condenado a pagar multa de R$ 9 mil em 2010 por educar os filhos em casa. O conselho tutelar levou o caso ao Ministério Público, que abriu a ação.
Os garotos Jônatas e Davi estão hoje com 20 e 21 anos. Jônatas critica o ensino formal --diz que as provas que fez eram "pura decoreba". Em casa, não tinham horário para estudar: eram livres para decidir quando pegar nos livros. De família religiosa, liam a Bíblia com frequência.
Os garotos se dedicaram também à informática. Adolescentes, criavam sites para clientes da região. Em 2011, ganharam R$ 30 mil de prêmio na Campus Party, por um projeto de melhora para o AcessaSP (rede de acesso gratuito à internet de São Paulo).
Davi é hoje responsável pela informatização da nefrologia do hospital municipal de Betim (MG). "Vou querer educar meus filhos com ensino domiciliar", diz.
Não seria o primeiro caso. A família Brennan, aliás, já está na terceira geração de homeschooling.
Os pais de Timothy Brennan Jr., 41, estudaram em casa porque, quando a família se mudou dos EUA para o Pará, a escola mais próxima ficava muito longe. Depois a família se mudou para o Rio Grande do Sul, mas ele foi educado da mesma forma.
Hoje em Chapecó (SC), onde é dono de uma escola de inglês, ele até tentou colocar os filhos em uma escola, mas ficou decepcionado com os resultados. Resolveu ensinar em casa Marky, 14, e Ellen, 12.
Um desafio, diz, é que ele morava numa fazenda, com liberdade para brincar e muitas crianças ao redor. Já Marky e Ellen estão em uma cidade, onde o contato com jovens é menor, assim como os espaços para lazer.
Outra limitação é que o sistema exige muito dos pais. Ricardo Dias, 44, pai de Lorena, diz que vários pais o procuram para saber como é o ensino em casa. "O pai fica o dia inteiro fora, a mãe também. Eu falo: não dá, não faz."
"Por isso, a família tem de ter um nível financeiro bom", afirma Luciane Barbosa, doutora em educação pela USP e autora de uma tese sobre o assunto. "É muito difícil dar certo em outras condições."
É a opinião também do pedagogo Fabio Schebella. "Ao menos um dos pais vai ter que ficar em tempo quase integral com os filhos, e muitas vezes vai ter de estudar antes deles." Folha, 25.02.2015.
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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Aprender a Aprender

Se não caiu a ficha, está na hora de cair: a maior parte do conhecimento teórico e prático já produzido pela humanidade está disponível na internet, de graça e abertamente. Quem tiver a curiosidade e a energia necessárias pode tomar nas mãos os caminhos do próprio aprendizado. Esse é um desafio para o sistema educacional: a missão da escola nos dias de hoje passa a ser ensinar a aprender dentro desse novo contexto em que vivemos.
Quem viu o documentário sobre Aaron Swartz ("O Menino da Internet"), disponível também de graça e abertamente no YouTube, deve se lembrar da cena em que ele, com poucos anos de idade, aprende a ler sozinho. Em depoimento para a câmera, seus pais dizem: "Aaron aprendeu muito cedo a aprender". Apesar de nunca ter completado a faculdade, circulava entre professores das melhores universidades e conversava com eles como igual.
Swartz aprendeu no mesmo lugar –a internet– tanto a programar quanto a ler clássicos da filosofia política (como Henry David Thoreau, um dos seus favoritos). Qualquer um pode seguir seu caminho.
Não importa onde você mora, quão boa ou ruim é a sua escola, qual é sua condição socioeconômica: se você estiver conectado à rede e se organizar, pode ter acesso à mesma informação disponível nas melhores escolas do planeta.
Dá para aprender tudo na rede. Matemática, química e física para os ensinos médio e fundamental estão disponíveis na Khan Academy (já traduzida em português). Cursos universitários inteiros de Harvard e do MIT estão também na rede, por meio de iniciativas como o Open Courseware e o HarvardX. Os "syllabi" –programas dos cursos– de várias universidades de ponta também estão on-line (e suas leituras indicadas estão também na maioria na rede).
Quer aprender habilidades práticas? Sites com o Wikihow ensinam a, literalmente, fazer qualquer coisa. De consertar a bicicleta a fazer uma planilha em Excel.
Além desses "sites-ilha" que organizam conteúdos, há também um vasto oceano de partículas de informação espalhadas pela rede, todas facilmente encontráveis. De vídeos postados por voluntários no YouTube com tutoriais de desenho industrial a aulas de agronomia.
Se algo não estiver disponível, basta entrar em um dos fóruns especializados de cada campo do conhecimento, que reúnem usuários dispostos a se ajudar.
Muita gente vai dizer que boa parte desse conteúdo só está disponível em inglês. Não tem problema. Dá para aprender inglês (e várias outras línguas) pela internet. Sites como o Duolingo –com modelos de aprendizado gratuito– têm se tornado cada vez mais populares justamente por sua eficácia.
Claro que não dá para ignorar o papel dos professores, que mais do que nunca são essenciais. Mas entramos no momento em que o aprendizado tornou-se mais importante do que a educação. Isso gera enorme pressão sobre o sistema educacional. E pressão ainda maior sobre cada um nós. Não temos mais desculpa para não aprender. Ronaldo Lemos

Folha, 10.02.2015.
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